A leitura deveria ser uma questão de saúde pública. Estudos realizados em vários países provaram que ela é um santo remédio para a cabeça: quem lê tende a chegar à velhice menos propenso à doença de Alzheimer. Outras pesquisas, feitas na Universidade Stanford, na Califórnia, mostraram que os neurônios envolvidos na leitura, quando exercitados com obras de ficção, como romances e contos, mantêm a aprendizagem intacta ao longo da vida. Livro significa musculação para os neurônios. Livro devorado, neurônio sarado.
Além disso, os leitores assíduos apresentam maior confiança no relacionamento. O motivo é simples: o cérebro não distingue muito bem a literatura da realidade. Assim, mistura as tramas fictícias e os eventos verdadeiros enquanto absorve a diversidade de personagens, enredos e visões de mundo encontradas na literatura. Por fim, através do conhecimento adquirido, desenvolve a mente e o senso crítico. Uma curiosidade: a televisão não oferece esses benefícios. Ela entra por um olho e sai pelo outro.
Os neurocientistas também constataram que a emoção precede a razão. Em outras palavras, quem possui maior experiência com as emoções raciocina melhor. E o que são os romances senão pílulas concentradas de emoção? Como se não bastassem tantas vantagens, na Universidade Tufts, nos Estados Unidos, uma pesquisadora confirmou que a leitura cria vias expressas no cérebro, através das quais os impulsos eletroquímicos circulam em velocidade de Fórmula 1. Posto de outra forma, quem lê raciocina mais rápido.
Apesar de santo remédio, no Brasil a leitura anda doente, nas últimas. Uma avaliação da Unesco com estudantes de 66 países de todos os continentes colocou-nos entre os doze piores na capacidade de compreensão de texto. Nós, que chegamos a ser a sexta economia do mundo, lemos no nível das regiões mais subdesenvolvidas. Nossa nota não passou de 2 em 6. Quem se saiu melhor foram os chineses de Xangai, onde o governo encara a leitura com a devida seriedade e a considera uma questão econômica: sem bons leitores, o crescimento não se sustenta. De fato, a leitura é, também, uma questão econômica, como já demonstraram os sul-coreanos com sua histórica arrancada para o desenvolvimento. Ainda não aprendemos a lição. Pior para nós.
O descalabro nacional não poupou Minas Gerais. Grandes empresas mineiras suspenderam quaisquer instruções por escrito a seus funcionários. Motivo: eles as leem e nada entendem. A literatura, a principal aliada da boa leitura, foi banida para uma posição secundária nos currículos escolares. Em nossas universidades, aonde em tese chegariam os mais preparados, o semianalfabetismo também se instalou. Duvida? Pois pergunte a qualquer professor.
Raros estudantes conseguem, ao término dos cursos, escrever algo inteligível sem cometer graves erros de português. Sem falar na baixa criatividade. As pequenas ilhas de Singapura e Hong Kong, por exemplo, são mais citadas em criatividade científica que o Brasil inteiro. Produzimos, no entanto, muito mais doutores do que elas, somadas.
Num mundo cada vez mais competitivo, quem conhece mais leva a melhor. O conhecimento passa pela leitura, pela intimidade com a literatura, com a língua, com a capacidade de captar as nuances de um texto, perceber ironias, concordar ou discordar diante das ideias apresentadas. Na leitura se fundem a saúde, a economia, o entretenimento, a sabedoria. Bill Gates, numa famosa frase, disse que seus filhos teriam computadores, mas antes teriam livros. Disse mais: sem eficiente leitura, não se escreve a própria história. No caso brasileiro, outros a escreverão por nós. O pior é que, como lemos mal, não desconfiaremos disso. Triste destino.
Leitura beneficia o cérebro
Sem perceber, escaneamos, da cabeça aos pés, as pessoas à nossa frente. Em fração de segundo, o cérebro examina conhecidos e desconhecidos e faz juízos deles: simpático, tranquilo, confiável, triste, nervoso, esperto, falso, perigoso. Criamos até expressões populares para os encontros e desencontros dessa aptidão inata: “amor à primeira vista” ou “nossos anjinhos não combinam”. Os neuropsicólogos usam um nome mais pomposo para a percepção: teoria da mente. Esse juízo automático decorre da evolução e nos ajuda a sobreviver, identificando potenciais ameaças ou alianças.
A revista Science, editada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência, publicou, em 2013, uma pesquisa que comprova, uma vez mais, a influência das obras de ficção no desempenho da teoria da mente, isto é, quem tem o costume de ler bons romances tende a melhor interpretar o estado mental de outras pessoas, sobretudo quando envolve características afetivas. Em outras palavras, a leitura de ficção ajuda o funcionamento do cérebro. Chegaram a dizer que ela permite ler a mente alheia, o que é um exagero. Detalhe curioso: um best-seller não produz resultado tão bom quanto uma obra literária de qualidade, com personagens complexas, analisadas em profundidade.
Diversos estudos mostram que a leitura de ficção também acelera os circuitos cerebrais e prolonga a sobrevida de informações. Um deles indica que a fantasia trazida pela leitura – e o consequente aumento da densidade linguística que romances, contos e poemas oferecem – tende a prevenir problemas mentais na velhice, como a doença de Alzheimer. Outro detalhe curioso: quanto mais cedo lermos e cultivarmos a fantasia, melhores as chances de não ficarmos gagás. Triste corolário para os analfabetos e os leitores ocasionais: eles não desfrutam esse benefício.
Enquanto isso, no Brasil, insistimos em, cada vez mais, ler menos ficção. Menos e mal. Não custa repetir que, na mais recente comparação de capacidade de leitura feita pela Unesco, entre mais de sessenta países, nós ficamos entre os doze piores, atrás do Chile, do Uruguai, do México e da Colômbia. O melhor desempenho veio dos chineses de Xangai. Lá existe a certeza de que a leitura e o progresso caminham juntos.
Pouco tempo atrás, um político me confessou não entender o porquê de tanto barulho em torno da má performance brasileira no ranking mundial de leitores, se a maioria dos pais de alunos das escolas públicas está satisfeita com o nível do ensino. A desculpa é perversa, com o aluno e com o país. Transforma projeto de poder em projeto para a nação. Seria o mesmo que não se importar em adicionar um veneno à merenda escolar que só vá surtir efeito daqui a trinta anos.
Ler entretém, instrui, faz refletir, expõe nossas virtudes e limitações. Forma, a longo prazo, melhores cidadãos, conscientes de direitos e deveres. Além disso, cada vez mais, neurocientistas revelam que as obras de ficção têm a extraordinária capacidade de moldar, de preservar e de trabalhar com o cérebro. Leitura é musculação para os neurônios. Boa, barata, divertida, sem contraindicação. Não existe melhor remédio para a cabeça. Admite automedicação e receita de amigos. Leitura é uma questão de saúde pública. Só precisamos descobrir a pólvora.
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed813_a_saude_da_leitura